ensaios.

Uma Poética da Natureza em Movimento

Reinoldo Atem

Helena Kolody é criadora de uma obra poética coerente. E soube imprimir-lhe a tonalidade da voz da autora: suave, serena, lírica, reflexiva, observadora interessada e solidária com o mundo.

Da serena observação dos fenômenos naturais, ela extrai reflexões e metáforas, para melhor apreendes a vida humana e seus significados.

Na reflexão poética permanente, ela chega a elaborar uma poesia filosofal e didática, com a intenção de que sua palavra seja um consolo para quem dela precisa.

Sua observação da natureza procura ir além do aparente, do imediato, para captar a verdadeira poesia no âmago da montanha, onde revela o eterno, o absoluto, num contraste repetido entre o fugaz e o duradouro, na correnteza do tempo.

O tempo, ela percorre todo, com uma sutil percepção da ancestralidade, uma aguda observação do presente e um amargo desencanto em relação ao futuro, desumanizado pela máquina.

Sua observação da vida é solitária e solidária.

A solidão é uma contingência dolorosa de quem não quer perder-se na multidão.

O sonho é o refúgio das horas cinzentas. Mas a própria dor jamais obscurece a solicitude para com a dor alheia.

Ao procurar a poesia na natureza que a circunda, Helena orienta sua investigação para além da fragilidade do instante, reconhecendo nele o que permanece e deve ser apontado.

Nesse jogo poético investigatório, a poeta descobre que a vida existe em movimento.

Tudo para ela está em transformação, em mudança.

Para desenhar esse movimento, ela usa imagens bucólicas: o rio, a correnteza, o pássaro, o  voo, o vento, a música.

Telúrica, alegre e triste, otimista, essa professora aposentada de biologia constrói uma poética que também se transforma no tempo, buscando a síntese, que é o encontro do texto breve que diga tudo.

Mantendo sempre determinadas regularidades, que criam seu estilo próprio e harmônico e uma visão dialética do mundo.

O jogo de espelhos é uma imagem recorrente, para expressar os vários sentidos de uma mesma situação, sua dubiedade, sua plurivalência.

Os símbolos naturais aparecem com insistência, o brilho da chuva, o encanto das águas, o canto da cigarra, o canto geral da natureza viva.

Nessa poética transparente e coesa, franca e iluminada, plena de colorido, a autora só recorre à ironia quando abandona o elemento natural e passa a ocupar-se do elemento urbano, artificial, mecânico, decadente.

Aí, sua voz crítica e desencantada não pode deixar de manifestar-se, já que sua sensibilidade ocupa-se tanto com a condição humana ao seu redor.

Mesmo com ironia, sua voz poética permanece serena e reflexiva.

Sua busca da síntese conduziu-a à prática do hai-cai, gênero poético tão propício ao temperamento e às intenções da autora.

A coerência de uma vida inteira pode ser percebida na sequência dos títulos de seus livros, onde ela também expressa seu sentido do fugaz e a sensação da vida passageira.

A música, como símbolo da vida em fluxo permanente, o carinho pela infância, seu senso da beleza visual das formas, sua religiosidade forte de filha de imigrantes, a ponto de transformar a poesia em oração, tantas tonalidades são possíveis, nessa obra de poemas breves e instantâneos, mas tão profundos e tão amplos.

Publicado originalmente como prefácio da antologia Sempre Poesia, de 1994.